quarta-feira, 5 de novembro de 2008

TEATRO DO OPRIMIDO?!!



TEATRO DO OPRIMIDO?!

O termo Teatro do Oprimido é um termo que suscita algumas dúvidas e até algumas contestações. Contestação porque há quem diga que se trata de teatro para o oprimido, não vendo que não se trata disso, mas sim de teatro feito pelo, para e do próprio oprimido. Esse termo não significa nenhuma adjectivação da escolástica, nem é tampouco uma improvisação nominal. O nome surgiu com a necessidade de enformar um conjunto de técnicas e de visões novas que pretendiam revolucionar o teatro em si. O teatro em todo a sua dinâmica, seus objectivos, seus propósitos e sua arte. Associado ao nome de Teatro do Oprimido está invariavelmente o de Augusto Boal. Porquê?

Rebobinando no tempo…Quem é Augusto Boal?

Augusto Boal nasce no Rio de Janeiro em 1931, filho do padeiro português José Augusto Boal e da dona de casa Albertina Pinto. Forma-se doutor em engenharia química na antiga Universidade do Brasil, actividade que nunca veio a exercer. Vai para Nova Iorque, estudar dramaturgia na Universidade de Columbia, onde frequenta o Actor’s Studio com John Gassner. De volta ao Brasil em 56 onde fica até 1970, Boal integra o Teatro de Arena de São Paulo. O Arena foi criado em 53 como uma alternativa à cena teatral da época, o seu objectivo era produzir espectáculos de baixo custo, de dramaturgia brasileira. No ano de 58, surge a peça era Eles Não Usam Black-Tie do jovem autor, Gianfrancesco Guarnieri. Black-Tie, esteve mais de um ano em cartaz, e abriu caminho para o surgimento de um movimento chamado Seminários de Dramaturgia. Procurando um teatro relacionado com a realidade brasileira, surgem desses seminários uma nova dramaturgia brasileira: Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha; Plínio Marques, Roberto Freire, Edy Lima, Chico Pereira da Silva, Benedito Ruy Barbosa, Flávio Migliaccio, entre outros.

Em 1960 Boal apresenta Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa, uma produção conjunta entre o Arena e o Teatro Oficina, através da qual orienta um curso de interpretação. Dirige também, para o Oficina A Engrenagem, adaptação dele e de José Celso Martinez Corrêa do texto de Jean-Paul Sartre. Em 62 o Arena atravessa uma nova fase: a nacionalização dos clássicos. José Renato deixa a companhia e Boal assume a liderança. Acabam as encenações de textos produzidos no Seminário de Dramaturgia. Em conjunto com o Teatro Arena encena Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams; O Melhor Juiz, o Rei, de Lope de Vega, entre outros.

A fase seguinte foi a dos musicais: assim foram feitos espectáculos como Arena conta Zumbi, Arena conta Tiradentes, Arena conta Bahia etc. Experimentando o sistema curinga, em que cada actor representa vários personagens ou vários actores representam o mesmo personagem.

Entretanto a partir de 1964, a ditadura militar brasileira inicia a perseguição a indivíduos com atitudes “subversivas”. É em 70 que o Teatro Arena faz as suas primeiras incursões ao Teatro Jornal (génese do teatro do oprimido).

Exílio

Em 71, com a ditadura militar Boal foi preso e torturado. Foi exilado. Vai para a Argentina, terra da sua companheira Cecília Boal, onde permanece durante cinco anos. É lá que desenvolve o Teatro Invisível. É no Peru que nasce o Teatro Fórum e a sistematização do Teatro Imagem: o Fórum nasceu porque Boal não entendia o que uma espectadora dizia e pediu-lhe para subir ao palco e mostrar o que pensava; e o Teatro Imagem porque no Peru, com as suas 47 línguas, tornava difícil o entendimento, então… façam imagem – a real e a do desejo. Fazer é a melhor maneira de dizer! Já dizia José Marti.

Viaja para Portugal, onde permanece durante dois anos. Realiza, com o grupo A Barraca, a montagem A Barraca Conta Tiradentes, em 1977. É aí que escreve Mulheres de Atenas, uma adaptação de Lisístrata, de Aristófanes, com músicas de Chico Buarque.

Em 79 muda-se para Paris, onde cria o Centre du Théatre de l’Opprimé. Enquanto está na Europa, trabalha em diversos países onde desenvolve técnicas introspectivas do Teatro do Oprimido: Arco-íris do Desejo. Convidado pelo então Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro, Boal volta ao Brasil em 1986 para dirigir a FÁBRICA DE TEATRO POPULAR. O objectivo era democratizar a linguagem teatral, de forma a motivar o diálogo e a transformação da realidade social.
Ainda em 1986, em conjunto com artistas populares, cria o Centro de Teatro do Oprimido – CTO-Rio, para difundir o Teatro do Oprimido no Brasil.

Boal no papel de vereador usou a técnica do teatro fórum para legislar: teatro legislativo, ou seja, a partir da intervenção dos espectadores, criar projectos de lei. Quando o espectador intervém transforma-se em actor (espect-actor), e simultaneamente o eleitor transforma-se em legislador.

Vimos, através desta pequena incursão pela vida de Boal como surgiu o TO e como começou a ser utilizado, e por ordem cronológica vemos como surgiram os seus vários ramos. Ao contrário do que pode parecer, não foi Boal que “inventou” o TO, como ele próprio diz, o Teatro do Oprimido já vem desde os tempos mais remotos.

Panorâmica Nacional

Boal quando regressa no final da década de 50 ao Brasil, vê que o teatro que está sendo representado é uma espécie de cópia do teatro europeu, textos antigos e balofos que não representam de todo a realidade brasileira. Existe toda uma estrutura teatral com a qual Boal se inquieta e interroga. Qual é o “ritual teatral” em voga? Então… existem os teatros, depois cada teatro tem a sua equipa de actores, que são um género de seres divinais, há uma peça cujo texto não é nacional, normalmente é europeu e de conteúdos exógenos à realidade envolvente, há um público, esse público compra um ingresso. Esse ingresso não tem preço popular. Esse público vê a peça, emociona-se, aplaude, o ego dos artistas aumenta, esse público vai depois para casa. Algumas das inquietações de Boal são onde se pode fazer teatro? Quem pode fazer teatro? Qual o verdadeiro papel do público?

É aqui que começam a ser dadas algumas respostas de maneira a combater o cenário elitista teatral de então. Ora bem, como é que num país de 180 milhões de pessoas, com uma taxa de alfabetização que em 2000 é de 86.4 (em 1970 era de 67.1) se consegue fazer chegar a um número amplo de pessoas a arte teatral? Democratizando-a. Levando as técnicas e os meios de produção (as próprias técnicas) até às populações, aos bairros, às favelas, às fábricas, às ruas, às escolas… Enfim, usando a arte como arma de emancipação popular.

É aqui que a teoria/prática boaliana se cruza com a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire – pedagogo, também ele brasileiro. Este género de intervenção teatral é assente na pedagogia e princípios políticos do método educacional popular desenvolvida pelo educador brasileiro Paulo Freire, cujos pontos basilares são: averiguar a situação vivida pelos participantes; analisar as origens da causa da situação, incluindo fontes internas e externas da opressão; explorar soluções em grupo para esses problemas; agir para mudar a situação decorrente dos preceitos da justiça social.

As explorações de Boal são esforços para transformar o “monólogo” da tradicional performance num “diálogo” entre a audiência e o palco considerando para isso o diálogo como a mais comum e saudável dinâmica entre as pessoas. E que os participantes são todos capazes de dialogar e conversar – por oposição ao monólogo, que representa a opressão. É aqui que se estabelece a ligação fulcral entre o TO e a PO. Segundo o método freiriano é necessário que se transforme o monólogo (opressão) – que ele chamava de “educação para a domesticação” – em diálogo – que ele chamava de “educação para a libertação”. Aqui tanto o aluno como o professor são ambos cúmplices do processo de aprendizagem, inspirados na sua acção “dialógica”/dialéctica da educação.

Voltando ao Teatro Fórum…

Os objectivos primordiais das peças de teatro fórum são fazer com que a dramaturgia, enlace, conflito e desenlaces estejam a encargo dos actores e dos próprios espectadores. Bem como de multiplicação de formadores do Teatro do Oprimido. A peça de teatro fórum não termina no fim do "espectáculo", ela continua depois com a participação dos espectadores, que entram em cena para dar o seu contributo para a alteração do problema apresentado. O espectador para além de transformar a solução apresentada, é ele próprio transformado em espect-actor. Deixa de ser mero objecto para ser ele sujeito da história.

O Teatro Fórum providencia uma aproximação inovadora do público e é o centro do Teatro do Oprimido. É a forma mais usada pelos educadores. O TF tem sido utilizado por educadores e organizadores para democratizar as suas próprias organizações, analisando os problemas e preparando-se para a acção. No TF, os participantes determinam qual é o seu tema de prioridades – normalmente problemas do quotidiano – e desenvolve pequenos temas. O desenrolar da peça serve como veículo para analisar o poder, estimulando o debate público e procurando soluções. Os participantes exploram a complexidade da relação individual/grupal e uma variedade de níveis de troca, que são:

- a dinâmica do poder dentre e entre grupos;

- a experiência e o medo de impotência do individuo;

- rígidos conceitos de percepção que criam falta de comunicação/conflitos, bem como maneiras de os transformar.

O objectivo do teatro fórum não é encontrar a solução ideal, mas inventar novas maneiras de confrontar problemas. Depois de cada intervenção, os membros da audiência são solicitados para intervir (através do mediador - curinga), parando a acção, substituindo os actores em palco, e ensaiar as suas ideias. A experiência foi apelidada de “ensaio para a vida”. Fazendo a separação entre o actor (aquele que actua) e o espectador (aquele que observa mas não lhe é permitido intervir na situação teatral), o TF é praticado por “espectadores-actores” que têm a oportunidade de actuar e observar, e por quem orienta processos de diálogo que auxiliam em posteriores processos de análise. O acto teatral é assim experimentado como uma intervenção consciente, como um ensaio para a acção social assente numa análise colectiva e partilhada dos problemas. Este particular género de intervenção teatral é assente na já referida pedagogia do oprimido:

- averiguar a situação vivida pelos participantes;

- analisar as origens da causa da situação, incluindo fontes internas e externas da opressão;

- explorar soluções em grupo para esses problemas;

- agir para mudar a situação decorrente dos preceitos de justiça social.

O bom fórum é aquele que apresenta a opressão, que pode ser combatida, e não a agressão (último estágio de opressão) que é inevitável. Quando o modelo mostra apenas a agressão provoca a resignação, o sentimento de fatalidade, o que desmobiliza os “espectadores”.

Em jeito de conclusão, como Boal costuma dizer: todos podem (e devem) fazer teatro, até os actores. O Teatro pode-se fazer na rua, na escola, no bairro, até no Teatro. Interessa é usar a ferramenta!

Palavras-chave:

Curinga | Espect-actor | Pedagogia do Oprimido | Poética do Oprimido | Teatro Fórum | Teatro do Oprimido

Bibliografia Utilizada:

- Boal, Augusto, Hamlet e o filho do Padeiro; ed. Record, (1999?)
www.ibge.gov.br

Bibliografia aconselhada:

- Boal, Augusto, Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1975;
- Boal, Augusto, Stop: ces’t magique. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980;
- Boal, Augusto, Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998;
- Boal, Augusto, 200 Exercícios e Jogos para o Actor e o não Actor com vontade de dizer algo através do Teatro.

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